apagar um ao outro
como quem apaga
a lousa.
a pele,
marcada de giz,
chamamos de
cicatriz.
ontem passei pelo café
onde a gente ria,
senti saudade da vida.
fechar a janela,
não deixar o amor entrar.
de tanto pensar no futuro
esqueci de viver cada dia
- que distraída.
fechar os olhos,
fazer curativos,
não me apaixonar.
dormir com a luz acesa
por ter medo
da vida.
não escrever poesia,
não publicar poesia,
não falar em poesia.
estudar economia.
que importa?
meu cachorro tem nome de poeta.
tantas luzes acesas fazem esquecer
que estamos todos no escuro.
tanta gente passando
faz esquecer
que estamos todos sós,
e tanta banalidade
faz esquecer
que estamos perdidos.
rio e assumo
que é reconfortante,
torcendo para que o teatro continue.
nesta cidade infinita
pessoas podem ser medidas
pelo tamanho da solidão
não assumida.
o nosso amor
estava escrito nas estrelas,
mas estrelas são imaturas
e não sabem o que escrevem.
ademais, você não sabe ler,
ou não quer.
o nosso amor
estava escrito nas estrelas,
você olhou para elas
e disse: “apaguem isso”.
o nosso amor
estava escrito nas estrelas,
mas elas não sabem escrever,
você não sabe ler
e eu não sei do que gosto.
talvez o cheiro
de sabão em pó com bebida
talvez os risos,
a vista.
sair no teto solar
escalar a churrasqueira até a laje
e qualquer outro respiro
de liberdade.
ah, éramos tão presos!
nada decidíamos sobre a vida
e ainda assim
ela era linda.
tantos livros, tantas músicas,
tantas paixões repentinas.
era tudo novo, tudo surpresa.
e do nada, como quem vai dormir
depois de um porre,
todos sumiram
- como estava previsto.
os 16 anos, que pareciam tão inocentes,
viraram 16 anos
de uma doce ressaca
(e que bom,
poderiam não ter deixado nada).
o rio
tem cheiro de mar
vejo ao longe
o posto onze
- preferia
não chegar.
os pensamentos vão e vêm
em segundos,
inseguros.
penso no amor
como forma de revolta:
você me ofende,
eu amo de volta.
o mundo precisa de poesia
de brisa
de maresia
precisa demais
de mais fantasia.
você me lembra saudade
saudade que nunca
aprendi a engolir.
talvez minha garganta seja pequena
- ou eu mesma seja, vai saber.
passar na floricultura
é meu maior desespero:
das flores juntas, o cheiro
lembra casamento,
lembra enterro.
a mão,
além do rosto,
é o que fica descoberto
neste frio louco.
já decorei cada linha.
desmanchar
a mancha,
retocar
o toque,
desatar
a tara.
você me olha no rosto
com um ar de leveza
e acende a lareira.
o que mesmo viemos
fazer nesta cidade?
- pensamos sem assumir.
a gente não sabe mais o que inventar,
e os personagens imaginários já são tantos
que nem mais nomes eles têm.
daqui a pouco serei um deles,
você será também.
só queria a paulista aberta -
penso, e apago a luz.
a mão solta o livro,
a linha some.
durmo como se já fosse ontem.
hoje, sozinha no escuro,
eu sou meu próprio
futuro.
a última brincadeira no play,
esquecimento do primeiro amor,
último dia de escola,
último filme dublado,
última noite de sono
com horário marcado.
último material escolar,
último dia sem café,
último prato de miojo,
último corte no joelho,
última farpa no pé.
a vida passa
a cada fim.
o tempo
é o abismo prateado -
a gente se joga
e quando vê,
sai do outro lado.
depois brinca como se ele
nunca tivesse passado.
e esse é o presente.
a água macia
me faz cosquinha
como você fazia.
penso que está triste,
fico triste.
se não estiver triste,
ficaria triste se soubesse
que estou triste
por você estar triste?
quando não tem graça,
cachaça.
quando não tem pena,
poema.
me perco nas ruas
que eram tão grandes
quando vim pequena.
amanhã volto,
banco quente
garrafas de água,
músicas da semana.
amanhã
vamos ver
se a gente se encontra
sem querer.
às 17h no mercado.
te manipular.
entrar no seu sonho,
te ver chorar
e te abraçar.
pequeno pedaço
de doce de ontem,
ainda mais doce hoje -
amargo amanhã?
te pego e te aperto,
contorço,
beijo seu pescoço.
veneno da alma
o tempo te estraga.
enquanto não durmo,
percorro seus sonhos
que agora são meus.
vou te levar embora,
calçar seus sapatos
e te misturar no leite.
quem sabe não dissolve
antes de amanhecer
como se nunca
tivesse existido?